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A Pessoa de Cristo

Como Jesus pode ser plenamente Deus e plenamente homem, e ainda assim uma pessoa? Podemos dizer que Jesus Cristo foi plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa e que assim o será para sempre?

A. A HUMANIDADE DE CRISTO

1. O nascimento virginal.
As Escrituras afirmam claramente que Jesus foi concebido no ventre de sua mãe, Maria, por obra miraculosa do Espírito Santo e sem um pai humano. A Bíblia diz: “Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo”. Depois um anjo disse a José: “José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo”. Então lemos que “Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus” (Mt 1.18, 20, 24-25). O mesmo fato é afirmado no evangelho de Lucas (Lc 1.34-35; 3.23).

A importância doutrinária do nascimento virginal é vista em pelo menos três áreas:

a) A salvação vem do Senhor (Gn 3.15). A Bíblia diz que “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5).

b) A união da plena divindade e da plena humanidade em uma só pessoa. Foi assim que Deus enviou seu Filho a nós (Jo 3.16; Gl 4.4). O nascimento de Jesus foi natural, mas sua concepção foi sobrenatural.

c) A humanidade de Cristo não tem a herança do pecado. Jesus não herdou a culpa legal e a corrupção moral de Adão como nós (Lc 1.35). Por não ter pai humano, Jesus não recebeu nada de Adão, e o Espírito Santo o preservou da natureza pecaminosa de Maria.

2. Fraquezas e Limitações Humanas
a) Jesus possuía um corpo humano. Jesus nasceu como outros meninos nascem (Lc 2.7). Ele cresceu (Lc 2.40, 52), sentia fome (Mt 4.6), cansaço (Jo 4.6), sede (Jo 19.28). Depois do jejum de quarenta dias foi servido pelos anjos (Mt 4.11); carregando sua cruz rumo ao Calvário, foi ajudado (Lc 23.26). Finalmente, ele morreu (Lc 23.46). Mas ressuscitou em um corpo realmente humano (Lc 24.39-43; Jo 20.17, 20, 27; 21.9, 13). Jesus voltou para o céu num corpo humano (Jo 16.28; 17.11; Lc 24.50-51; At 1.9).

b) Jesus possuía uma mente humana. Jesus cresceu e aprendeu (Lc 2.52; Hb 5.8). Ele tinha uma mente como a nossa. Veja como ele falou de seu retorno à terra: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai” (Mc 13.32).

c) Jesus possuía alma humana e emoções humanas. Ele ficou perturbado (Jo 12.27; 13.21), profundamente triste (Mt 26.38). Ele admirou-se (Mt 8.10), chorou (Jo 13.35), e orou com forte emoção (Hb 5.7). Ele também foi tentado. Isso mostra que ele era realmente humano (Hb 4.15; Tg 1.13).

d) Pessoas próximas de Jesus o consideravam apenas humano. Os conterrâneos de Jesus o viam como uma pessoa comum (Mt 13.53-58). Muitos o viam apenas como um carpinteiro (Mc 6.3). Nem mesmo os seus irmãos criam nele (Jo 7.5). Não tinham idéia que Jesus era Deus vindo em carne.

3. Impecabilidade. Jesus era plenamente humano. Mas ele nunca pecou. Satanás tentou fazer Jesus pecar, mas sem sucesso (Lc 4.13). Ninguém podia acusá-lo de pecado (Jo 8.46). Ele declarou-se a luz do mundo (Jo 8.12) e disse que sempre fazia o que agradava ao Pai (Jo 8.29). Ele era permanentemente obediente aos mandamentos do Pai (Jo 15.10). Pilatos não pôde acusá-lo de nada (Jo 18.38).

Jesus não era um homem pecador, apenas veio “à semelhança do homem pecador” (Rm 8.3). Ele “não tinha pecado” (2 Co 5.21; 1 Pe 1.19; 2.22; 1 Jo 3.5). Foi tentado mas não pecou (Hb 4.15). Ele viveu entre nós santo, inculpável e puro (Hb 7.26). Aquele que não pecou, pode nos ajudar a não pecar (Hb 4.15-16).

4. Jesus poderia ter pecado? Jesus foi verdadeiramente tentado como homem, mas nunca pecou (veja acima). Se Jesus tivesse pecado, envolveria sua natureza divina, e isso não poderia acontecer. As tentações foram mais fortes para Jesus do que para nós, porque ele não cedeu.

5. Por que era necessário que Jesus fosse plenamente humano? Negar que Jesus era humano é doutrina do maligno (1 Jo 4.2-3). Esse é um fato central do cristianismo, que não deve ser negado. Mas, por que Jesus tinha de ser plenamente humano para ser o Messias e obter nossa salvação?

a) Jesus nos representa na obediência. O que o primeiro Adão não fez, o segundo Adão cumpriu (1 Co 15.45). A Bíblia diz: “Conseqüentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos” (Rm 5.18-19).

b) Jesus foi um sacrifício substitutivo. Jesus precisou ser homem para se tornar o nosso Salvador. A Bíblia diz: “Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertasse aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte. Pois é claro que não é a anjos que ele ajuda, mas aos descendentes de Abraão. Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer propiciação http:/pelos pecados do povo” (Hb 2.14-17).

c) Jesus se tornou o único mediador entre Deus e os homens. Para cumprir essa função, Jesus tinha de ser plenamente homem e plenamente Deus. “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus” (1 Tm 2.5).

d) Jesus se tornou homem para cumprir o propósito de dominar a criação. Fomos criados para dominar sobre a terra, mas não cumprimos isso por causa do pecado. Fomos criados para dominar sobre tudo, mas isso ainda não acontece. Jesus veio como homem, cumpriu o propósito de Deus e foi coroado de honra e de glória (Gn 1.26; Hb 2.7-9; Mt 28.18; Ef 1.22; Ap 3.21; Lc 19.17; 1 Co 6.3).

e) Jesus é o nosso exemplo e o nosso padrão na vida. A Bíblia diz: “Aquele que afirma que permanece nele, deve andar como ele andou” No final, seremos semelhantes a Cristo. Essa esperança nos confere pureza moral no presente (1 Jo 2.6; 3.2-3). Estamos sendo continuamente transformados, caminhando para o objetivo maior, que é sermos conformes à imagem de Jesus (Rm 8.29; 2 Co 3.18). Cristo também é o nosso padrão no sofrimento (1 Pe 2.21). Toda a nossa corrida cristã deve ser feita olhando para Jesus para aprendermos com o seu exemplo (Hb 12.2-3).

f) Jesus é o padrão de nosso corpo redimido. Jesus ressuscitou num corpo “imperecível” (1 Co 15.42-44). O corpo de Jesus é o padrão de nossos corpos ressuscitados. Cristo foi o primeiro (1 Co 15.23). Nosso corpo agora é como o de Adão. Mas um dia será como o de Cristo (1 Co 15.49). Ele é o padrão (Cl 1.18).

g) Jesus como homem se compadece de nós. O autor de Hebreus diz que “tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados” (Hb 2.18; 4.15-16). Como homem Jesus foi capaz de conhecer por experiência o que sofremos em nossas tentações e lutas nesta vida.

6. Jesus será um homem para sempre. Jesus não deixou de ser homem depois de sua morte e ressurreição. Ele apareceu aos discípulos como homem (Jo 20.25-27; Lc 24.39). Até comeu depois da ressurreição (Lc 24.41-42). Voltou para o céu em corpo e voltará a nós como subiu (At 1.11). Estevão e Saulo tiveram uma visão de Jesus (At 7.56; 9.5). Paulo falou disso de forma muito real (1 Co 9.1; 15.8). No Apocalipse ele aparece “semelhante a um filho de homem” (Ap 1.13). Ele prometeu no futuro fazer um ceia com os seus (Mt 26.29; Ap 19.9).

B. A DIVINDADE DE CRISTO

Jesus era plenamente humano, mas também plenamente divino. A encarnação foi o ato pelo qual Deus Filho assumiu a natureza humana. A divindade de Cristo é amplamente comprovada no Novo Testamento.

1. Alegações bíblicas diretas
a) A palavra Deus (theos) atribuída a Cristo. A palavra “Deus” geralmente é reservada no Novo Testamento para Deus Pai, mas também se refere a Jesus Cristo (Jo 1.1, 18). Ele era confessado como Deus (Jo 20.28), acima de todos (Rm 9.5), grande (Tt 2.13), o seu trono existe para todo o sempre (Hb 1.8), sua justiça nos possibilitou uma fé preciosa (2 Pe 1.1). Veja ainda Isaías 9.6.

b) A palavra Senhor (kyrios) atribuída a Cristo. Às vezes a palavra Senhor é usada simplesmente como tratamento respeitoso (Mt 13.27; 21.30; 27.63; Jo 4.11). Mas a palavra kyrios é empregada para traduzir o nome do Senhor 6.814 vezes no Antigo Testamento.

Nesse mesmo sentido, a palavra “Senhor” aparece no Novo Testamento como referência a Cristo (Lc 1.43; 2.11, 18). João Batista veio anunciando o caminho do Senhor (Mt 3.3), e ele citava Isaías 40.3. O próprio Jesus se identificou como Senhor (Mt 22.44; Sl 110.1).

Nas cartas, a palavra Senhor é empregada comumente a Cristo (1 Co 8.6; 12.3). Na epístola aos Hebreus, o autor cita o Salmo 102 falando da obra do Senhor e aplica o texto a Cristo (Hb 1.10-12). Na verdade Cristo é o Senhor eterno: “Em seu manto e em sua coxa está escrito este nome: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16).

c) Outras fortes alegações de divindade. Jesus disse que Abraão viu o seu dia e que ele é o eterno presente (Jo 8.57-58). Ele usou para si as mesmas palavras que Deus usou ao falar com Moisés: “Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou” (Êx 3.14). Para os judeus ficou tão claro que Jesus falava de sua divindade que quiseram apedrejá-lo (Jo 8.59). As conhecidas declarações de Jesus, como: Eu sou o pão da vida (Jo 6.35), Eu sou a luz do mundo (Jo 8.12), a porta das ovelhas (Jo 10.7), o bom pastor (Jo 10.11), a ressurreição e a vida (Jo 11.25), o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6), e a videira verdadeira (Jo 15.1), também reforçam os argumentos sobre a divindade de Cristo.

Jesus disse: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22.13; 1.8). Jesus é o Deus eterno que se tornou homem (Jo 1.1, 14). A expressão “Filho do Homem” que aparece oitenta e quatro vezes nos evangelhos e em Atos 7.56, vem de Daniel 7.13-14. É uma referência ao governo eterno do Cristo. O texto de Hebreus 1.1-3 fala bem da divindade de Cristo.

2. Sinais de divindade em Jesus
Jesus demonstrou sua onipotência quando acalmou a tempestade no mar com uma palavra (Mt 8.26-27), multiplicou os pães e peixes (Mt 14.19) e transformou a água em vinho (Jo 2.1-11). As explicações contextuais atestam isso.

Jesus afirmou sua eternidade em João 8.58 e Apocalipse 22.13. A onisciência de Jesus é demonstrada no fato de conhecer os pensamentos das pessoas (Mc 2.8), ver as pessoas ausentes (Jo 1.48), saber as coisas com antecedência (Jo 6.64). Ele conhece as pessoas perfeitamente (Jo 2.25). Na verdade ele sabe todas as coisas (Jo 16.30; 21,17). Olhando ao longo da história da igreja, ele evidenciou sua onipresença (Mt 18.20; 28.20).

Jesus mostrou sua soberania ao perdoar pecados (Mc 2.5-7). Ele falava em seu próprio nome (Mt 5.22, 28, 32, 34, 39, 44), com a autoridade do próprio Deus (Mt 11.25-27). O futuro de cada pessoa depende do fato de crer nele ou rejeitá-lo (Jo 3.36).

A imortalidade de Jesus fala de sua divindade (Jo 2.19-22; 10.17-18). Sua vida é indestrutível (Hb 7.16). Ele é o único que é imortal (1 Tm 6.16). Por causa de tudo isso, ele pode ser cultuado, como somente Deus o pode (Mt 28.17; Fp 2.9-11; Hb 1.6; Ap 5.12-13; 19.10).

3. Teria Jesus desistido de alguns atributos divinos enquanto na terra?
Alguns dizem que Cristo abriu mão de alguns atributos divinos, como, onisciência, onipresença e onipotência. Isso foi feito de forma voluntária, para cumprir sua obra de redenção. Ele próprio se esvaziou, dizem (Fp 2.7). Será esse o sentido desse texto? Não. O contexto deixa claro que Jesus se humilhou, mudou de função e condição, nada que se refira aos seus atributos essenciais.

Jesus Cristo é plena e verdadeiramente homem, e plena e verdadeiramente Deus (Cl 1.19; 2.9). Ele é “Emanuel”, ou seja, “Deus conosco” (Mt 1.23).

A divindade de Jesus é fundamental para nós, pois “a salvação vem do Senhor” (Jn 2.9). Precisávamos de um mediador plenamente divino e plenamente humano (1 Tm 2.5), que nos revelasse plenamente o Pai (Jo 14.9).

C. A ENCARNAÇÃO: DIVINDADE E HUMANIDADE NA ÚNICA PESSOA DE CRISTO

Quando examinamos o Novo Testamento, há algumas passagens que parecem difíceis de encaixar. (Como Jesus podia ser onipotente e ainda assim fraco? Como podia deixar o mundo e ainda estar presente em todos os lugares? Como podia aprender coisas e ainda ser onisciente?).

a) Uma natureza faz alguma coisa que a outra não faz. Em Cristo, é preservada a propriedade de cada natureza – a divina e a humana.
Humanidade e Divindade de Cristo
b) Tudo o que uma das naturezas faz, a pessoa de Cristo faz. Jesus podia referir-se apenas a uma de suas duas naturezas (Jo 8.58). Quando lemos que Cristo morreu pelos nossos pecados (1 Co 15.3), sabemos que isso se refere apenas ao seu corpo, mas o Cristo pleno continuou.

Por isso é correto Jesus dizer “deixo o mundo” (Jo 16.28) ou “não ficarei mais no mundo” (Jo 17.11), mas ao mesmo tempo dizer “estarei sempre com vocês” (Mt 28.20). Tudo o que é feito por uma ou outra natureza é feito pela pessoa de Cristo.

c) Títulos que nos lembram de uma natureza podem ser empregados em referência à pessoa, mesmo quando a ação é realizada pela outra natureza. Paulo falou da crucificação de Jesus, chamando-o de “Senhor da glória” (1 Co 2.8), um título que nos lembra especificamente da natureza divina de Jesus. Jesus é chamado de “Senhor”, título divino, mesmo estando ainda no ventre da mãe e quando recém-nascido (Lc 1.43; 2.11).

Jesus permaneceu o que era (Deus), e tornou-se o que não era (Homem).
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Teologia Sistemática – Wayne Grudem – Edições Vida Nova.

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