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A piedade do cristão

“Tenham o cuidado de não praticar suas obras de justiça diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial” (Mt 6.1).

Como conciliar essa aparente discrepância entre esse versículo e Mateus 5.16? Ali Jesus manda mostrarmos nossas boas obras, enquanto aqui, ele nos proíbe de praticarmos nossas boas obras para sermos vistos. Tudo passa pela motivação. No primeiro caso ele combate nossa covardia, mas aqui ele alerta para a vaidade. Quando tentados a nos escondermos, devemos mostrar nossas boas obras, e quando tentados a mostrar, devemos nos esconder de mostrar as boas obras. As obras devem aparecer, mas a piedade deve ser secreta. Tudo deve ter como meta a glória de Deus.

No capítulo 5 de Mateus Jesus falou da justiça do cristão como a bondade, pureza, honestidade e amor; agora, ele relaciona essa justiça com a prática das esmolas, orações e jejuns, ou seja, a justiça do cristão tem a ver com sua vida moral e espiritual, a vida secular, e a vida cristã.

Jesus alerta para o perigo da hipocrisia (Mt 6.5) e do formalismo (Mt 6.8). A igreja deve ser diferente dos religiosos e dos pagãos, deve ser diferente da igreja formal e do mundanismo. Antes de se manifestar, a piedade cristã deve ser uma realidade escondida no coração.Jesus esperava que os três exemplos de piedade do cristão fossem praticados por seus discípulos, por isso ele lhes ensina o por quê, e como fazê-los. Cada parágrafo começa dizendo: “Portanto, quando você der esmola…” (v. 2). “E quando vocês orarem…” (v. 5). “Quando jejuarem…” (v. 16). Essas disciplinas cristãs falam de nossa relação com Deus, com os outros e com nós mesmos.

1. A esmola do cristão (Mt 6.2-4). A palavra para esmola no versículo dois significa um ato de misericórdia ou piedade. Como Deus (Mt 5.45, 48; Lc 6.35-36), também devemos ser misericordiosos, doadores generosos. Longe de nós esteja a sovinice.

“2. Portanto, quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos outros. Eu lhes garanto que eles já receberam sua plena recompensa. 3. Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita, 4. de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará” (Mt 6.2-4).

Generosidade não é tudo. Jesus está enfatizando em todo o Sermão do Monte que devemos ter a motivação certa para o que fazemos. Há três possibilidades quando damos esmolas: ser honrados pelos outros, silenciosamente nos gloriarmos pelo que fizemos, ou estamos apenas desejosos da aprovação de nosso Pai celestial.

A palavra hipócrita referia-se a um orador, mais tarde a um ator. Assim, a palavra passou a ser aplicada a qualquer pessoa que trata o mundo como se fosse um palco onde ela executa um papel. Uma coisa é ser ator num teatro, numa situação convencional. Mas não é aceitável viver como ator no palco da vida.

Se buscarmos a glória dos homens querendo que o nosso nome sempre apareça em destaque pelo que fazemos, nenhuma recompensa receberemos de Deus, pois já obtemos o aplauso dos homens. A forma cristã de contribuir com os necessitados é fazê-lo de forma secreta. Não transformemos um ato de misericórdia em um ato de vaidade. Não troquemos o altruísmo pelo egoísmo. Esqueçamos rapidamente dos benefícios que fazemos. Devemos ficar satisfeitos de termos Deus como a única testemunha de nossas esmolas, esperando apenas dele a nossa recompensa.

2. A oração do cristão (Mt 6.5-6). Jesus mostra a diferença entre a hipocrisia e a realidade. Ele põe em contraste o motivo das orações e as suas recompensas.

“5. E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros. Eu lhes asseguro que eles já receberam sua plena recompensa. 6. Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará. 7. E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. 8. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem. 9. Vocês, orem assim: Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome. 10. Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. 11. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. 12. Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. 13. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém. 14. Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. 15. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas” (Mt 6.5-15).

Jesus disse que os hipócritas “gostam de ficar orando”, a fim de serem vistos pelos outros. Devemos cuidar para que o farisaísmo não seja representado por nós. Jesus disse que devemos orar no quarto, não apenas para evitar distrações, mas para ficarmos a sós com Deus. Ele não está se opondo a oração pública, mas falando nesse ponto da oração em secreto. A essência de toda oração cristã consiste em buscar a Deus (Sl 27.4).

Os fariseus são hipócritas quando oram, assim como os gentios ou pagãos são mecânicos (tagarelas) quando oram repetindo as mesmas coisas (vs. 5-7). Jesus não está reprovando a repetição na oração, mas o orar dizendo coisas sem significado. Ele mesmo orou três vezes pelo mesmo motivo no Getsêmani (Mt 26.44). Paulo também fez isso (2 Co 12.8). O que Jesus censurou foi a “Meditação Transcendental”. Isso também inclui a reza com o rosário. Mas não se engane. Certamente essa palavra de Jesus é contra a liturgia formal de muitos cultos.

Devemos ter muito cuidado com os jargões religiosos quando oramos, enquanto a mente fica vazia. Enfim, qualquer oração com a boca que não é feita com o coração, é reprovável. Deus não se deixa enganar pelo muito falar. Ninguém queira convencer Deus com orações longas. Não devemos fazer isso (vs. 7-8). Não oramos para informar a Deus de nossas necessidades, pois ele nos conhece plenamente. Oramos para exercitarmos nossa fé na dependência dele.

Ao contrário da oração dos hipócritas e pagãos, a oração do cristão deve ser verdadeira. Jesus ensinou a conhecida “oração do Pai-Nosso” como genuíno modelo da oração cristã. Ela pode ser copiada ou usada como uma forma de orar. A maneira de orar mostra o conhecimento que temos de Deus. O Deus da Bíblia não gosta de orações mecânicas. Ele quer ser chamado de Pai, porque é um Deus pessoal e amoroso. Jesus nos ensina a orar primeiro voltados para os interesses de Deus (“teu nome…, teu Reino…, tua vontade…”). Só depois devemos dizer (“Dá-nos…, Perdoa as nossas dívidas…, livra-nos do mal”). Primeiro a glória de Deus, depois as necessidades do homem.

3. O jejum do cristão (Mt 6.16-18). O jejum é um assunto praticamente ignorado no meio evangélico hoje. Muitos falam de ação social e oração, mas bem poucos mencionam o jejum. Os próprios discípulos de Jesus não tinham o costume de jejuar (Mt 9.14; Lc 5.33).

“16. Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu lhes digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa. 17. Ao jejuar, arrume o cabelo e lave o rosto, 18. para que não pareça aos outros que você está jejuando, mas apenas a seu Pai, que vê em secreto. E seu Pai, que vê em secreto, o recompensará” (Mt 6.16-18).

Jejum é abster-se total ou parcialmente de alimento, durante períodos de tempo curtos ou longos. A Bíblia nos ensina e exemplifica a prática do jejum. Jejuar e humilhar-se são termos equivalentes (Sl 35.13; Is 58.3, 5). O povo de Nínive se arrependeu e creu no Senhor com quebrantamento e jejum (Jn 3.5). Mas o jejum não deve ser praticado apenas em ocasiões de arrependimento pelos pecados passados, mas também na dependência de Deus para a misericórdia futura. Oração e jejum casam-se bem. Jesus jejuou antes de começar seu ministério público; a igreja de Antioquia jejuou antes de enviar Paulo e Barnabé para o campo missionário. Eles próprios jejuaram (Mt 4.1-2; At 13.1-3; 14.23).

O jejum não tem apenas implicações espirituais ou subjetivas. Devemos jejuar, deixando de comer ou de usar algo para compartilhar com o necessitado. Jó tinha plena consciência de ter feito isso (Jó 31.16-22). A Bíblia fala desse tipo de jejum (Is 58.5-7). Portanto, temos boas razões bíblicas para jejuar. Seja por arrependimento, oração, autodisciplina ou por amor solidário.

Nos três assuntos abordados por Jesus, esmolas, oração e jejum, ele quer que nossa motivação seja agradar a Deus. Os hipócritas mudavam a aparência do rosto para não serem reconhecidos como normais e chamarem a atenção para si mesmos. Mas essa seria a única recompensa deles. Mas os discípulos de Jesus devem se manter normais quando jejuam, sem a necessidade de tornar conhecido de outros o jejum, apenas de Deus. Ele recompensará essa prática, e isso basta.

Concluindo, fica claro o contraste feito por Jesus entre a piedade dos fariseus e a piedade do cristão. A primeira é orgulhosa e prepotente, motivada pela recompensa dos homens. A segunda, é secreta, motivada pela humildade e recompensa de Deus. Devemos manter sempre a consciência da presença de Deus, para que a nossa dádiva, a nossa oração e o nosso jejum sejam feitos com sinceridade e transparência.

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