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Competindo com Cavalos

Uma frase de Carlos Drummond de Andrade define bem como foi meu dia: “Meia saúde e meia doença, eis o estado normal da vida”. Temos dias bons e ruins, agradáveis e difíceis de suportar. A maior parte do meu dia foi muito bom. Comecei com um tempo devocional agradável, troquei e-mails com um colega querido, enfim, tudo transcorreu de modo normal. Planejava ir com minha esposa para ver roupas numa loja, o que não aconteceu, mas isso não trouxe nenhum aspecto negativo. Levei minha filha até a casa de uma colega sua e no final da tarde fiz caminhada com minha esposa. Andamos por uma hora. Ontem fizemos o mesmo percurso. Acho que ela está bem melhor para andar do que há algum tempo. Eu me senti pesadão ontem, hoje já foi o inverso entre nós dois. São coisas de quarentões. Em nosso jantar (pizza) estávamos todos juntos em família, o que não acontece tão freqüentemente devido os afazeres variados de cada um. Foi bom também porque contamos com a presença de um jovem da igreja.

Mas o impasse se deu quando minha caçula chegou em casa e percebeu que havia perdido o seu celular. Para agitar um pouco mais o ambiente emocional, recebi alguns telefonemas inconvenientes nesse período que intuitivamente parecia ser de alguém que estava com o celular dela. Nada mais que suposição, pois logo depois de uma busca encontrei o aparelho em casa. Mas quando isso aconteceu, já havíamos bloqueado o número com a operadora. Enquanto escrevo, ainda não conseguimos o desbloqueio. Falo desse modo porque foi uma experiência um tanto desagradável, mas não perdemos a paz interior nem familiar. É que essas coisas acabam mexendo com o emocional, e nesse momento a gente pode perceber como está preparado ou não para as eventualidades da vida, que podem acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar. Comecei a escrever com uma passagem bíblica na mente e a ela quero me reportar agora.

O profeta Jeremias levou quarenta anos tentando evitar um desastre espiritual na vida de seu povo, mas não conseguiu. O cativeiro de Judá aconteceu mesmo. Ele sofreu muito. Ficou conhecido como o profeta chorão. Numa dessas ocasiões (e aqui está a passagem que me referi há pouco), ele se queixa com Deus e ouve o que não gostaria de ouvir do Altíssimo. Até me lembro do adágio popular: “Quem fala o que quer, escuta o que não quer”. O texto diz: “Tu és justo, SENHOR, quando apresento uma causa diante de ti. Contudo, eu gostaria de discutir contigo sobre a tua justiça. Por que o caminho dos ímpios prospera? Por que todos os traidores vivem sem problemas? Tu os plantaste, e eles criaram raízes; crescem e dão fruto. Tu estás sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações. Tu, porém, me conheces, SENHOR; tu me vês e provas a minha atitude para contigo. Arranca os ímpios como a ovelhas destinadas ao matadouro! Reserva-os para o dia da matança! Até quando a terra ficará de luto e a relva de todo o campo estará seca? Perecem os animais e as aves por causa da maldade dos que habitam nesta terra, pois eles disseram: Ele não verá o fim que nos espera. Se você correu com homens e eles o cansaram, como poderá competir com cavalos? Se você tropeça em terreno seguro, o que fará nos matagais junto ao Jordão?” (Jr 12.1-5). Notamos aqui que o profeta queria colocar Deus contra a parede, cheio de razões. Mas ele escuta algo que não o empolgou. Tudo que lhe tinha acontecido até então, era pouco diante do que viria. Era como se ele estivesse competindo corrida com homens como ele. Gente da sua cidade e do seu nível. Mas ele teria que correr competindo corrida com cavalos, com os poderosos do palácio real. Ele estava correndo em pista olímpica, mas em breve teria que correr em matagais desnivelados e cheios de feras.

Uma música gospel bem popular diz: “O melhor de Deus ainda está por vir”. Devemos esperar o melhor do Senhor, sim. Mas é bem verdade que nem sempre é o que acontece ao nosso modo de ver a vida. Muitas vezes o que ainda está por vir mesmo é o pior. Isso independe do nível espiritual que temos. De vez em quando alguém pode sofrer dificuldades como resultado de suas desobediência. Mas noutras ocasiões isso acontece com os “melhores”. Jó e Paulo que o digam. Eles podem ser considerados a nata dos dois testamentos bíblicos, mas enfrentaram dias difíceis. Sofreram como poucos. Isso porque nesta vida o sobreviver, às vezes é o melhor quinhão (Jr 45.4-5). Vamos viver com alegria, entusiasmo e intensidade, desfrutando ao máximo a vida que Deus nos deu, mas sem esquecer de estar preparados para o dia mau (Ef 6.13). Ele vem, pode demorar mas vem. Vem, vai e vem de novo. É a vida. Sabedores disso, devemos como um prevenido motorista andar com reserva no tanque de combustível e não na reserva, pois isso poderia nos deixar na estrada da vida.

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