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Música ou ministério?

O único ‘ministro de música’ acerca do qual o Senhor dirá: ‘Bem está, servo bom e fiel’ é aquele cuja vida confirma o que suas letras estão dizendo, e aquele cuja música é a parte menos importante de sua vida. Glorificar ao único que é digno tem de ser o mais importante objetivo do ministro.

São palavras de Keith Green - Trata-se de um músico cristão norte-americano, cujo curto ministério teve grande influência na vida e formação ministerial de muitas pessoas (a começar por mim). Gravou seu primeiro trabalho cristão em meados da década de 70, com pouco mais de 20 anos. Faleceu em 1982, vítima de um acidente aéreo, aos 28 anos de idade. Você pode saber mais sobre ele em http://www.lastdaysministries.org/ (site em inglês).

O termo ‘ministro de música’ foi mais usual no passado; hoje nem tanto. Hoje dizemos ‘pastor de adoração’, ministro de louvor, músico cristão, etc. Mas creio que a declaração acima vale para qualquer um que em sua ministração use música ou qualquer outro tipo de arte.

Olhando para o que se tem praticado nas igrejas e no meio cristão brasileiro, vemos algo – no mínimo – estranho. É certo que não encontraremos ninguém que afirme discordar da frase de Keith Green, mas daí a encontrar alguém que demonstre esta realidade no seu dia a dia… É duro. É difícil. Para viver esta realidade há que se caminhar contra, remar contra a maré do mercado, desafiar empresas gravadoras e promotoras de eventos, enfim, ser um calo no pé de muita gente.

Sei que para alguns minhas palavras podem soar um tanto carregadas de tinta, mas eu o convido a passar por alguns itens que ilustram o que eu digo. Chamo a sua atenção não para o que falamos, mas para o que fazemos. Atitudes e não palavras. Atitudes que demonstram o que de fato somos e pensamos, independente de nossas declarações por vezes oportunistas e ‘politicamente’ corretas.

Que ‘ministro’, que nada…

O músico cristão é um ministro? Alguém que recebeu a incumbência de falar e pregar o que recebeu e recebe de Deus? Não! Nossa realidade prática diz que músico é músico, um artista.

No fundo não deixa de ser verdade (ele precisa da arte para desenvolver seu ministério). Mas o problema está na prioridade. Se sou um ministro eu uso a minha música a serviço do ministério. A música é portanto ferramenta, não produto final. Se sou ‘apenas’ um artista, um músico, a música é meu produto final.

Como a nossa realidade prática afirma que músico é artista, não ministro?

Estava na semana passada em um restaurante com um colega, um conhecido músico cristão. Relembrávamos nossas experiências: as boas e as más. Dentre as más, chorávamos as vezes em que fomos convidados para sermos ‘vaso de flor em festa de igreja’. As vezes em que fomos chamados para uma festinha de aniversário como presente para o aniversariante, que sempre ‘sonhou’ em ter o seu ‘parabéns a você’ puxado pelo fulano de tal. As vezes em que fomos convidados porque a nossa voz é peculiar, porque tocamos isso ou aquilo…

Não é de se estranhar que mais e mais ‘artistas cristãos’ gostem desse ritual e comecem a cobrar seus cachês e impor suas condições… afinal, quem é o artista?

Vida coerente? Quem pensa nisso?

Sou do tempo em que se dizia que devemos procurar nos apresentar preparados, como obreiros do que não tem do que se envergonhar. Sou do tempo em que ministro tinha (e tem) lá suas qualificações de vida para exercer seu ministério.

Mas quem presta atenção a isso hoje? Muito pouca gente… Ao contrário, certos músicos e certos grupos são tratados por gravadoras e agências como ‘produtos’ e não pessoas de carne e osso. Pouco importa o que são na vida real; vale o que parecem ser.

Resultado? Ora, não procure muito! Corre-se o risco de descobrir coisas desagradáveis… Talvez algum de seus artistas ‘gospel’ prediletos nem cristão de fato seja… Talvez outro não possa mesmo mostrar sua família, pois de qual falará? Da primeira esposa e filhos, da segunda, ou da atual, colega de banda, que aliás está grávida?

Mas quer ver um exemplo oposto? Gosto muito da música e das letras de Steven Curtis Chapman (americano, 43 anos). Apesar dos Grammys que já ganhou, segue sendo um exemplo de ministro. Ele anda compondo letras sobre adoção de crianças. Oportunismo? Balela? Ora, entre em outra página do site (http://www.stevencurtischapman.com/) e veja uma foto dele, da mulher, dos 3 filhos biológicos e das 3 meninas chinesas que adotaram. Mais ainda, veja que ele abriu uma fundação que dá bolsas a famílias que queiram adotar crianças, já que o processo de cada adoção pode custar caro. No final, o que fala mais alto? As letras dele ou a vida dele?

Vida que confirme suas letras de música? Letras que retratem seu dia a dia?’

Carlos, pare com essa conversa chata…’ O que vende é música ‘pra cima’, falando de vitória, de sucesso, de prosperidade. O que vende é música de letra fácil, curta, com a qual todo mundo concorda e canta de olhos fechados. Entretenimento, meu caro, en-tre-te-ni-men-to! Canções que mostrem seus fracos e como você os resolve? Ora, não assuma esse tipo de risco…

Conversa de gravadora? Não! Realidade de mercado mesmo. A gravadora só retrata o que percebe no dia a dia. Nosso povo cristão prefere consumir músicas de entretenimento, até como uma consequência do tipo de evangelho (ora, não era pra ter um só?) que hoje se vive nas igrejas. Se a igreja virou um ‘produto’ a ser vendido para os fiéis, por que não nossas músicas?

A música como menos importante?

É, soa mesmo estranho. Ainda mais no clima de excelência que um músico gosta de trabalhar.

Mas se a música for a primeira prioridade, não estamos falando de ministério. Como diz Keith Green, a prioridade deve ser glorificar ao Deus do ministério; a música vem lá no final da fila. E quem conheceu Keith Green sabe que ele estava longe de ser alguém ‘pouco excelente’ no que fazia. Sua música é destacada, suas performances instrumentais são impressionantes. Mas definitivamente o que fala mais alto é sua vida e seu ministério (fala até hoje, quase 25 anos após sua morte).

A excelência no que fazemos deve e precisa existir, mas como consequência do ministério que abraçamos.

A situação tem remédio?

Não creio que devamos falar de remédio. Tampouco creio que Deus está surpreso com as coisas que hoje estão por aí. Ele mesmo já nos preveniu e avisou do esfriamento da fé nos últimos tempos. Portanto, creio que o consumismo que hoje se percebe no meio cristão faz parte desse cenário.

Entretanto, como Deus tem me ensinado, pouco importa o que outros esteja falando ou fazendo. Importa é o que eu estou fazendo. Importa é saber qual tem sido a qualidade do meu ministério perante Deus.

Eu realmente pretendo estar diante Dele e ouvir de Sua boca: ‘bem está, servo bom e fiel’. Ou como diz Ed René Kivitz, ouvir Deus falar : ‘valeu!’

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