Paginas

Evite a vingança e pratique o amor

Veja Mateus 5.38-48. Talvez essa seja a parte mais admirada e, ao mesmo tempo, a mais desprezada do Sermão do Monte. Aqui Jesus diz para não resistir ao perverso (v. 39) e amar os inimigos (v. 44). Esse é o ponto mais desafiador desse Sermão (Mt 5-7).

1. EVITE A VINGANÇA (vs. 38-42)

“38. Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39. Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. 40. E se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. 41. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas. 42. Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir-lhe algo emprestado” (Mt 5.38-42).

Quando a Bíblia diz: “Se alguém ferir seu próximo, deixando-o defeituoso, assim como fez lhe será feito: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente. Assim como feriu o outro, deixando-o defeituoso, assim também será ferido” (Lv 24.19-20; Dt 19. 15-19), essa punição não deveria ser feita pela vítima, mas pelos juízes, as autoridades constituídas.

O grande erro dos escribas e fariseus foi estender este princípio de justa retribuição dos tribunais legais (aos quais pertencia) para o campo dos relacionamentos pessoais (ao qual não pertencia). A lei proibia explicitamente a vingança pessoal (Lv 19.18). Jesus reconhecia a punição por parte dos tribunais legais, mas ensinou que nossa atitude para com aqueles que nos prejudicam, é aceitar a injustiça (Mt 5.39). Seu propósito foi proibir a vingança pessoal, não incentivar a injustiça.

Mas o que significa exatamente essa não-resistência? Ele não está proibindo resistir ao mal propriamente dito, “ao maligno” (que significa o Diabo), mas à pessoa má, pessoas que nos fazem o mal. Mesmo que a pessoa seja má, não nos é permitido vingança. Podemos até confrontar alguém como Paulo fez com Pedro (Gl 2.11-14), desde que isso não implique em ressentimento pessoal.

Jesus usa quatro ilustrações de ações más contra nós, com referência ao nosso corpo, nossas roupas, nosso trabalho, e nosso dinheiro. Ele disse que nosso dever cristão é abster-nos tão completamente da vingança que até permitamos à pessoa “perversa” dobrar a injúria.

Jesus não está nos estimulando a sermos como capachos, covardes que não oferecem resistência a nada. O que ele nos ensina aqui, é que devemos ter um domínio próprio e um amor tal pelo próximo, que rejeitemos completamente a retaliação.

É importante dizer aqui que o Estado é uma instituição divina, comissionada (através de suas autoridades executivas) para punir quem pratica o mal, fazendo-o pagar a penalidade pelo mal cometido, e enaltecer quem faz o bem (Rm 13.1-7). Mas o Estado não pode praticar a violência institucionalizada. Se em Romanos 13 a autoridade instituída é chamada serva de Deus para o bem, em Apocalipse 13 é aliada do Diabo para o mal. As autoridades devem cumprir o propósito de Deus, não abusar dele.

No final de Romanos 12 lemos sobre a responsabilidade do cristão para com o malfeitor (Rm 12.17-21). Em Romanos 13 lemos da função do Estado (Rm 13.1-7). Paulo proíbe a prática da vingança não porque ela seja errada em si mesma, mas porque é prerrogativa de Deus, não nossa (Rm 12.19). Em nossos dias a vingança é feita pelos tribunais legais, e, finalmente no dia do juízo. O cristão deve se livrar não apenas de atos de vingança, mas até mesmo do desejo de vingar-se.

2. PRATIQUE O AMOR (vs. 43-48)

“43 Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo. 44 Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, 45 para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. 46 Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa vocês receberão? Até os publicanos fazem isso! 47 E se saudarem apenas os seus irmãos, o que estarão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso! 48 Portanto, sejam perfeitos como perfeito é o Pai celestial de vocês” (Mt 5.43-48).

Os rabinos ensinavam que o “meu próximo” é alguém do meu próprio povo e da minha religião. Seguindo essa linha errada de raciocínio, quem não for compatriota meu ou irmão de fé, é meu inimigo, e sendo inimigo, posso até mesmo adiá-lo. Não era isso que a lei ensinava (Êx 12.49; 23.4-5; Lv 19.17-18; Dt 22.1-4). No livro de Provérbios 25.21 lemos: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber”. Mais tarde Paulo cita esse texto para falar como vencer o mal com o bem (Rm 12.20-21). As palavras “odeie o seu inimigo” foram um acréscimo no ensino oral dos rabinos. Deus não ensinou um padrão duplo de amor.

Jesus contestou a adição dos escribas de odiar o inimigo. Ele disse: “Amem os seus inimigos” (v. 44). Para Jesus o nosso próximo é qualquer pessoa, até mesmo o nosso inimigo, se ele estiver precisando de nossa ajuda (Lc 6.27, 35). Se Jesus morreu por nós quando ainda éramos inimigos de Deus (Rm 5.10), nós temos de nos dar pelos nossos inimigos, fazendo o bem e dizendo palavras de bênçãos (Mt 5.44; Lc 6.28).

A maneira de mostrar que somos filhos de nosso Pai que está nos céus é amando os nossos inimigos (v. 45). Devemos amar como Deus ama, não como os homens (v. 46; Lc 6.32). Isso não quer dizer que as pessoas que não são cristãs não amem. Elas amam seus parentes e amigos. O que Jesus está dizendo aqui é que devemos amar os inimigos desinteressadamente. A pergunta chave é: O que estamos fazendo mais do que os outros? (v. 47). Nossa justiça deve ser superior à dos fariseus e mestres da lei (Mt 5.20), e nosso amor maior do que o dos pagãos (v. 47). O cristão deve viver na dimensão do ‘extraordinário’. Este “mais” é o próprio amor de Deus através de nós.

O padrão que Jesus nos apresenta é: “Sejam perfeitos como perfeito é o Pai celestial de vocês” (v. 48). É claro que Jesus não está requerendo perfeição sem pecado de nossa parte. Neste mesmo “sermão” ele nos ensinou a pedir: “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12). A “perfeição” à qual ele se refere relaciona-se com o perfeito amor de Deus que é dado àqueles que não retribuem. Devemos ser perfeitos em amor, ou seja, amar até os nossos inimigos com o amor misericordioso e abrangente de Deus (Lc 6.36).

Jesus mostra uma progressão na vida cristã. A primeira ordem é negativa: “Não resistam ao perverso”; a segunda ordem é positiva: “Amem os seus inimigos”. Não basta evitar a retaliação passiva, é preciso um amor ativo. Nas palavras de Agostinho: “Muitos têm aprendido a oferecer a outra face, mas não sabem como amar a pessoa que os esbofeteou”. Alfred Plummer resumiu tudo isso muito bem quando disse: “Retribuir o bem com o mal é demoníaco; retribuir o bem com o bem é humano; retribuir o mal com o bem é divino”. Jesus espera que façamos o que ninguém “normal” quer fazer. Nosso padrão não é o mundo, mas o Pai que está nos céus.

Deixe o seu comentário